"A política é a arte de impedir as pessoas de se meterem naquilo que lhes diz respeito"
Paul Valery (1871-1945)
As sondagens
A opinião sobre a credibilidade dos estudos de opinião tem de variar proporcionalmente ao resultado que determinado estudo nos atribui. Se a sondagem é boa então ?demonstra que o povo português reconhece o trabalho que temos desenvolvido?. Se a sondagem é má lembre que ?nós não trabalhamos para as sondagens?. Não se preocupe em, de tempos a tempos, contrariar-se. O mais provável é que ninguém se lembre do que disse ontem.
De resto, só há dois tipos de sondagens: aquelas que nos dão a vitória e as aldrabadas. E como os outros tipos são uns malandros ultimamente só saem sondagens aldrabadas. Queixe-se do assunto. Várias vezes. Toda a gente sabe que as sondagens aldrabadas aldrabam a opinião que as outras pessoas têm sobre nós.
Comunicação social
Toda a gente sabe que a comunicação social está contra nós. Toda a gente. Sempre esteve. Desde setenta e quatro que os socialistas controlam a coisa. ?Eles são muito bons nisso?. Por muito marmanjões que um tipo nomeie para lá, a ganhar uns milhares valentes, a comunicação social estará sempre contra nós. Por vezes nem nos dá a possibilidade do contraditório.
Não há direito que dêem manchetes e manchetes às propostas do governo (vilmente gamadas dos nossos programas eleitorais) e a nós nos deixem num cantinho de uma página par só porque nada de novo temos para acrescentar. Não pode ser! A comunicação social tem de ser isenta! Tem de ser imparcial!
Acresce ainda que só há dois tipos de jornalistas. Os nossos amigos e os amigos dos outros. Um jornalista só é bom na exacta medida em que está disposto a participar na visão extraordinária que temos para o país.
A unidade
O partido é muito unido. É como uma grande família. Não existem inimigos internos nem tão pouco embirrações pessoais. No máximo dos máximos admitem-se algumas diferenças?mais na forma do que propriamente no conteúdo?mas nada de muito importante.
E é assim mesmo que tem de ser. Como nos clubes de futebol. A nenhum benfiquista lhe passa pela cabeça assobiar o Moretto só porque ele deu um frango do tamanho dos frangos do Ricardo. Claro que não. O rapaz é dos nossos, mesmo que seja o pior guarda-redes da história do futebol profissional e amador.
Não se assobia a equipa. Pelo menos em público. Se no final do jogo você decidir ir ao parque e furar-lhe os pneus às escondidas isso é um problema seu, apesar de tudo eticamente mais aceitável.
Sempre que possa vinque a sua unidade ao partido e a unidade do partido. Aproveite o momento para lembrar as ditas diferenças. Tacitamente fica-se melhor posicionado para a liderança que se segue.
O discurso
Concorde com o líder. Repita que ?estou com ele?, várias vezes, até que lhe cortem a palavra. Um congresso é sempre tempo de fumar o cachimbo da paz e enterrar o machado da guerra nas costas do malandro.
Mesmo que tenha preparado uma claque organizada saiba que ele há coisas que garantem sempre uns aplausos, mesmo que o tenham posto a falar às quatro da manhã. Por exemplo, fale em ?regressar ao espírito do PSD de Francisco Sá Carneiro?, lembre ?a capacidade reformista e empreendedora de Cavaco Silva? e defenda a nova bandeira da ?credibilidade?. Seguindo a mesma linha termine concluindo que é necessário ?renovar o partido?.
O hobbie
Os hobbies intelectuais, tipo ler e escrever, são chão que já deu fruta. É claro que todos os políticos têm de gostar muito de ler mas agora os tempos são de homens que gostam de ler dinâmicos, de homens que gostam de ler de acção, homens que gostam de ler e que façam?jogging. E não podemos desvalorizar esta coisa do jogging. Jogging é muito bom para a fotografia.
Antes de Sócrates já personalidades como Tony Blair e Bill Clinton deram a conhecer-se às massas pelas suas correrias. Guterres ainda tentou duas ou três vezes, mas reparou que se despenteava. Mas isso não interessa. O que realmente interessa é que o jogging é uma marca registada da terceira via.
A confiança
É sabido que o governo começou uma campanha para dar confiança aos portugueses na economia nacional. Essa campanha começou há muito. O primeiro-ministro, por exemplo, tem demonstrado pessoalmente que quase todos os portugueses têm tempo e dinheiro para passar férias caras várias vezes por ano.
As ideias
?Discutir ideias? é uma coisa que assenta bem em qualquer político e um sucesso garantido nas próximas temporadas. Nem é preciso ter ideias, basta discutir a discussão de ideias. Se você é um caciqueiro desavergonhado que só pensa no tacho do vizinho, dizer que se quer discutir ideias é coisa para elevar o debate e a sua cotação no aparelho. Quanto mais repetir a frase, mais longe chegará.
Afinal, o que faz falta ao país são as ideias. Talvez uns livros brancos sobre as ideias. Talvez umas comissões independentes onde as ideias possam ser discutidas. Mas acima de tudo, ideias. Nem é preciso ter uma inteira. Basta metade, talvez um quarto, e também pode ser gamada. Na realidade basta dizer que se tem. O ónus da prova recai sobre a outra parte. E não se preocupe com a ideia do vizinho. A sua ideia é do tamanho exacto da sua garganta.
O teórico
Tudo tem conta, peso e medida e não vale a pena exagerar muito na conversa das ideias. Duas ou três ideias e um tipo é logo chamado de ?teórico?. Toda a gente sabe que isso é o pior que pode acontecer a um político. O lugar dos teóricos e nos gabinetes de estudos a produzir documentos que ninguém vai ler. Um ?teórico? não tem votos e como não tem votos ninguém o vai convidar para um lugar giro. Os teóricos são como os contabilistas. Servem para estar em caves e usam óculos porque não vêm a luz do sol. Um ?teórico? não é um ?político?.
É verdade que um ?teórico? pode acabar na televisão e nos jornais a receber uma milada para dizer mal do próprio partido mas, infelizmente, essa vaga já está ocupada.
As moções
Não perca muito tempo com isso. Está para nascer o militante que alguma vez vá ler uma moção. Não é uma questão de preguiça. Claro que não! Mas você sabe o trabalho que dá estar num congresso? Uma pessoa tem de falar aos amigos, negociar lugares em listas, recolher subscrições e mandar umas larachas por sms . Quem tem tempo para ler moções? Ninguém lê moções. Garanto-vos. Dá para dizer o que quiser que, como se vê, ninguém vem cá ler o que está escrito.
Mas atenção, as moções são como as ideias. Mesmo que ninguém se interesse pela sua, você tem de ter pelo menos uma. Basta uma. Qualquer coisa rabiscada. O que custa é a primeira. Daí para a frente é só copy paste.
A opinião
Não é assim tão grave que o partido mude de opinião várias vezes durante um ano. Sobre a OTA, TGV, a regionalização, o aumento dos impostos, as farmácias e mais as creches. Na verdade, ninguém se lembra o que o partido disse sobre determinada matéria ontem, se é que disse, quanto mais há seis meses atrás. A nossa opinião tem de estar subjugada aos mais altos interesses da agenda mediática e da estratégia eleitoral. Se há votos para ganhar então temos de os ganhar. Afinal, se não for para chegar lá nem adianta andarmos por cá. A comunicação
Como é que uns tipos giros, engomadinhos, que não levantam muitas ondas e até têm imensas ideias engraçadas, perdem eleições ou têm maus resultados nas sondagens? Se nós até somos fantásticos, como é que os outros não percebem logo isso. Simples: comunicação! Vamos assumir isto de uma vez por todas. O nosso problema é a comunicação. Sempre foi. Toda a gente sabe.
Por exemplo. Nós prometemos que íamos descer os impostos. Chegámos lá e a primeira coisa que fizemos foi aumentar os impostos. Caiu o Carmo, a Trindade e o governo nas sondagens. Quase três anos mais tarde os socialistas fazem a mesmíssima coisa e não lhes acontece nada?
O que têm os socialistas que nós não temos? Vangelis, um brasileiro e alguém que saiba trabalhar com powerpoint. Isso é comunicação política.
A oposição
Da oposição espera-se que diga que só há dois tipos de ministros neste governo: os que só fazem asneiras e os que não fazem nada. Da oposição espera-se que denuncia os circos montados para propaganda, que confronte, que critique, que apresente soluções alternativas, que grite bem alto: o rei vai nu e o país não tem mais quatro anos para desperdiçar.
É exactamente por ser isso que eles estão à espera que nós não podemos cometer esse erro. Nós não seremos cúmplices na denúncia da incompetência do governo ou no desgaste da sua imagem. Não. Nem pensar. Nós somos credíveis e não vamos entrar nesses fait divers.
Para além do mais a verdade é que não temos muito jeito para fazer oposição. O PSD é um partido de governo. Serve para governar. Temos é ideias para isso. Temos é projectos para isso. Nós temos é perfil de governantes e não de oposicionistas. Está é tudo pronto para esse dia.
Por enquanto temos de ser pacientes. Fazer a nossa travessia sem esquecer que, por causa do sol, quem veio do deserto apresenta-se sempre com melhores cores. Esperar, porque eles não assim tão bons e mais cedo ou mais tarde vão cometer um erro qualquer. Nesse dia será, outra vez, a nossa vez. A pátria, compungida, agradece.
O povo
A culpa é da crise,das sondagens,da comunicaçãoda conjuntura,da retoma,dos jornalistasda comunicação social, e, especialmente, do povo.
Sim! O povo. Sempre com as suas preocupações egoístas com o seu bem-estar e o futuro do país. Sempre obcecados pelo pormenor. Que teima obstinadamente em não perceber o que é melhor para ele. É preciso dizer a verdade: se o país tivesse outro povo, o partido já estava no governo. Moção apresentada no XXIX congresso do PSD, por Rodrigo Moita de Deus, Ana Sofia Bettencourt e Alexandre Picoto
Etiquetas: Congresso, Moção, PSD
Esta entrada foi escrita em sábado, maio 20, 2006 pelas 03:11